Quando a exigência vira barreira: o TCU reforça limites para normas técnicas em licitações
Nos últimos anos, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem sido firme em um ponto que muitos gestores ainda insistem em ignorar: exigir demais também é erro.
O Acórdão 1712/2025-Plenário, relatado pelo Ministro Jorge Oliveira, voltou a bater na mesma tecla, e o recado foi claro: é irregular exigir normas técnicas, certificados, laudos e declarações de qualidade sem comprovar que essas exigências são realmente essenciais para garantir o desempenho do objeto licitado.
Em outras palavras: não basta copiar e colar normas da ABNT ou exigir certificações bonitas no papel. É preciso demonstrar por que aquilo é necessário para o caso concreto.
O caso: IFSP e o mobiliário “demasiadamente técnico”
Tudo começou com uma representação ao TCU sobre o Pregão Eletrônico 92500/2024, realizado pelo Instituto Federal de São Paulo (IFSP) para aquisição de mobiliário.
O edital trazia uma longa lista de normas e certificações obrigatórias, entre elas, a ABNT NBR 17088:2023, que trata da durabilidade de componentes metálicos em regiões litorâneas.
O problema?
Dos 44 órgãos participantes da ata, apenas 3 estavam em áreas litorâneas. Ou seja, 93% das unidades não precisariam dessa exigência. O resultado prático: menos empresas aptas a participar e preços possivelmente mais altos para todos.
O TCU identificou também que as imagens usadas na fase interna do processo correspondiam exatamente aos produtos de uma das empresas vencedoras, reforçando a suspeita de direcionamento.
A decisão do Tribunal
O relator concordou com a unidade técnica: havia excesso de exigências sem justificativa técnica, restringindo a competitividade e violando o art. 9º, inciso I, alínea “a”, da Lei 14.133/2021, que proíbe práticas que limitem indevidamente a concorrência.
Mesmo assim, o Tribunal decidiu não anular de imediato as atas de registro de preços, mas determinou ao IFSP que elabore estudos técnicos detalhados nas futuras aquisições, comprovando:
A essencialidade das exigências (por que são indispensáveis);
A vantajosidade dos preços (se realmente compensam o custo adicional).
E deixou um aviso importante: o IFSP não poderá renovar nem permitir novas adesões às atas do PE 92500/2024 enquanto não corrigir as falhas.
O que isso significa na prática?
Para o gestor público, a lição é direta: norma técnica não é enfeite de edital.
Toda exigência precisa estar tecnicamente justificada e relacionada ao objeto. Caso contrário, pode ser vista como restritiva e direcionadora, com risco de responsabilização.
Já para as empresas, a decisão reforça um argumento poderoso em impugnações e recursos:
Se o edital exige certificações sem justificativa técnica clara, há violação ao princípio da competitividade.
Em resumo
O TCU está dizendo que qualidade não se mede pela quantidade de normas exigidas, mas pela coerência entre o que se pede e o que realmente é necessário.
A boa licitação não é a que impõe barreiras, mas a que garante competitividade, técnica e justiça.



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